AfroReggae habilita sede em São Paulo com objetivos diferentes do Rio

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Por Dayanne Mikevis

O primeiro atentado levantou algumas dúvidas, em seguida, um segundo ato de violência contra o prédio deixou claro: o alvo era o AfroReggae. A notícia surpreendeu o Rio de Janeiro na época, mas para integrantes da ONG os dias de aflição já devem estar em seu término.

A organização surgida no Rio de Janeiro no início dos anos 1990 inicialmente como um jornal na comunidade de Vigário Geral e que se espalhou pela cidade e pelo mundo estava sendo ameaçada no Morro do Alemão. Reações de ojeriza à violência surgiram em diversos meios com figuras como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso condenando o ataque.

A violência foi ordenada pelos traficantes Fernandinho Beira-Mar e Marcinho VP. Ambos estão presos na penitenciária de segurança máxima de Catanduvas, no Estado do Paraná. Este Marcinho VP, aliás, é homônimo daquele retratado no livro Abusado, de Caco Barcellos, e o principal suspeito de sua morte em 2003. O Marcinho VP “Abusado” controlava o Morro Dona Marta e ficou famoso ao permitir a gravação de um clipe de Michael Jackson na comunidade e por ter algumas preocupações sociais. Seu homônimo não partilha de tal reputação.

O ataque ao AfroReggae no Alemão foi ordenado após a prisão de um líder evangélico, o pastor Marcos Pereira da Silva, que foi capturado com a denúncia de José Júnior, diretor do AfroReggae. Marcos recebeu inicialmente no último dia 12 a sentença de 15 anos de prisão em primeira instância pelo estupro de uma fiel de sua igreja. No entanto, ele enfrenta outras acusações. Júnior ligou o pastor com o tráfico de drogas. Atualmente Marcos, segundo a polícia, é investigado pela denúncia do líder da ONG, além de quatro homicídios e lavagem de dinheiro.

Ao denunciar Marcos, o AfroReggae cruzou uma linha proibida? Júnior disse ao Portal G1 que havia denúncias sobre os atos de Marcos que datavam de 20 anos, e algumas que incluíam pedofilia. No entanto, nada podia ser feito. A Cufa, que também conta com uma unidade do Morro do Alemão, decidiu suspender suas atividades em solidariedade ao AfroReggae.

O panorama, no entanto, vem mudando. “A poeira está começando a abaixar”, disse Gabriela Busnelo, responsável por comunicação e assistente técnica do AfroReggae em São Paulo, onde a ONG abriu uma sede há pouco tempo. Ela também ressalta o papel que a mídia orquestra como “proteção” a Júnior. “A mídia está toda do lado do AfroReggae, está todo mundo”, diz.

Crime não vê ONG como “concorrente”

Roberto Pacheco, coordenador geral do escritório de São Paulo, explicou que o fechamento da unidade do AfroReggae no Morro do Alemão ocorreu para preservar a segurança das pessoas que faziam uso do local. Em anos de atividade, o paulista de pouco mais de 50 anos que passou duas décadas no Rio de Janeiro disse que poucas foram as ocasiões em que o risco se apresentou para a ONG. Ele negou que a ideia bastante disseminada de que tais instituições “concorrem” com o tráfico.

“Não gera desconforto, porque educa os próprios filhos dos traficantes”, afirmou Beto. Ele frisou que o grupo não faz nenhuma distinção entre as pessoas que atende. “Não importa quem é filho de quem”.

Chinaider Pinheiro, coordenador do projeto Empregabilidade em São Paulo, agrega: “O traficante não quer ver o filho dele no crime. Ele apoia iniciativas como o Afro Reggae”. Ele é um exemplo de sucesso na ONG.

Nascido e criado em Vigário Geral, Chinaider entrou no tráfico em 1996 e foi preso pela primeira vez em 1997, quando passou pela “faculdade” –apelido dado à prisão Bangu III. Após fazer contatos e aprender táticas na prisão, ele teve uma carreira bem sucedida no crime e chegou a ser chefe cinco bocas no Rio de Janeiro, incluindo a de Vigário Geral. Recapturado em 2007, ele aceitou, ainda na prisão, a oferta de Júnior para sair do tráfico e ir trabalhar no AfroReggae.

Chinaider completou então o Ensino Médio e hoje estuda Direito. Sua vida pessoal também é intrigante, pois ele é pai de seis filhos com cinco mulheres. Atualmente mora com apenas uma (quando estava no tráfico morava com várias) seu filho com ela e um filho dela, um pouco mais velho, em um bairro periférico de São Paulo.

Pessoalmente, ele se mostrou um dos mais tristes pela série de ameaças dirigidas ao AfroReggae. “Encaro essas ameaças com muita tristeza, principalmente porque foram da facção a que eu pertenci”, afirmou.

A missão de Pinheiro em São Paulo é movimentar um programa que auxilia egressos do sistema carcerário a encontrarem um trabalho. Como mote, ele tem sua própria experiência. Apesar de inicialmente ser o mais avesso a apontar os riscos nas atividades do AfroReggae, ele confessa que, mesmo não sendo do time de mediadores, sentiu medo de entrar em áreas do Terceiro Comando após ter saído da cadeia, já que ele havia sido da facção rival Comando Vermelho. Mais uma vez a influência de Júnior foi requerida.

A presença (ou ausência) do Estado

Organizações como o AfroReggae nascem claramente da ausência do Estado. Com a chegada da polícia e serviços públicos às favelas do Rio, a questão se a gênese das ONGs muda é inevitável.

Os entrevistados negam que isso aconteça, ao contrário. “A UPP ajuda bastante. Tem menos ostentação. Para mim, a principal diferença é que a galera do asfalto está subindo o morro”, afirma Busnelo.

“Quando rolava tiroteio, a gente tinha que parar. Hoje o projeto está sendo abraçado pela cidade toda”, afirmou Pacheco.

ONGs paulistas trabalham seus espaços

Pacheco, chamado pelos colegas de Beto, nasceu no bairro paulistano da Casa Verde e retornou para o novo passo do AfroReggae, que abriu seu escritório em abril no turístico prédio conhecido como “Banespão”, no centro de São Paulo, e abriga unidades do Banco Santander.

Ele conta já ter visitado algumas instituições locais para fazer parcerias, pois a estrutura da ONG aqui será diferente da montada no Rio.

“A ideia não é se sobrepor, é levar a experiência do AfroReggae”, afirma. Beto certamente irá encontrar um cenário vibrante na maior cidade do país.

Fora do mundo das grandes ONGs, a história de organizações bem sucedidas se repete em vários pontos da cidade. No extremo leste da cidade, o Pombas Urbanas leva oficinas que atendem de crianças a idosos em Cidade Tiradentes, um bairro que nem completou 30 anos ainda.

Criado durante a ditadura militar, como explica Juliana Flory, uma das integrantes da trupe que pertence aos quadros desde sua fundação, o bairro se resume em um conjunto de prédios para os quais foram transferidos moradores de cortiços e favelas da região central de São Paulo, em um processo de “limpeza” da região. Afastado, Tiradentes cresceu como pode. Há ainda, até hoje, grande vácuos institucionais como a questão do transporte e a sombra sempre presente no Estado do PCC.

No entanto, Flory, que mora na região devido a seu trabalho, disse que nunca tiveram problemas de segurança na área. O único episódio lamentável foi o roubo de dois veículos com computadores para a montagem de um telecentro. Tempos depois, um veículo reapareceu em frente à delegacia mais próxima com equipamento dentro. O outro sumiu, a perda foi de 50%.

Ela ressalta que instituições como o AfroReggae, que tem braços que trabalham com mediação, estão naturalmente mais expostas ao risco. Também afirma que o grupo não faz nenhum tipo de seleção com os alunos e repetiu o “ninguém pergunta de quem a criança é filha”. Ali, naquele ponto afastado da cidade, todos são iguais.

Nestes últimos dias, Cidade Tirantes estava em festa com o V Encontro Comunitário de Teatro Jovem acontecia no galpão do Pombas Urbanas, com uma companhia de teatro do México.

“A comunidade estava ansiosa, em festa, tinha gente que me perguntava quando o pessoal do México ia chegar. Eles queriam comprar cerveja para receber os visitantes”, afirma a atriz, música e coordenadora de projetos.

Assim, em diferentes graus e com graus de inserção variados, as ONGs ajudam a abrir oportunidades e desenvolver talentos em áreas com poucas opções de atividades ou que sofrem com estigma social.

Dayanne Mikevis é jornalista, escreve em geral sobre temas ligados a direitos humanos, democracia e diversidade e contribui para o Programa das Américas em www.americas.org/es

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